sábado, 20 de fevereiro de 2010

Estado de Direito

Sede de justiça

por PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE



O Santo Padre escolheu o tema da justiça na sua mensagem para a Quaresma deste ano. Em palavras inspiradas, ele lembra o laço profundo entre a mensagem do Evangelho e a justiça em relação ao próximo. Aliás, a palavra hebraica que indica a virtude da justiça, sedaqah, também significa aceitação da vontade de Deus. Os dois significados estão ligados, como afirma Sua Santidade, porque fazer justiça é talvez a forma mais sublime de servir a Deus.



Esta palavra sábia do Papa tem toda a acuidade nos dias que correm. Hoje mais do que nunca, o homem vive com sede de justiça. Diante do arbítrio e da desigualdade, os homens do nosso tempo clamam por justiça. Contudo, a regra ulpiniana "dar a cada um o que é seu" perverte-se no dia-a-dia diante de um Estado que exerce o poder público de forma desigual: aos amigos dá-se tudo, aos inimigos tira-se tudo. O Estado não é igual para todos, mas antes tem em conta a condição do cidadão e a relação que mantém com o poder público. Se é amigo do poder, privilegia-se. Se é inimigo do poder, prejudica-se. Só mesmo os que não tugem nem mugem, que calam bem lá no fundo opiniões e convicções, podem almejar ter justiça. Bem vistas as coisas esta é uma vã ilusão, porque os amigos passam sempre à frente, por mais incompetentes e incapazes que sejam. Portanto, nem mesmo os que calam e consentem alcançam justiça, pois hão-de ficar sempre atrás dos amigos do poder.



A manipulação humana dos fins do Estado destrói o sentido último da regra de Ulpiniano. Os resultados são fáceis de constatar: a corrupção daninha da instituição pública, a sensação de impunidade do prevaricador, enfim, o fosso abissal entre o povo e a República.



O caminho alternativo do Santo Padre é claro: praticar a justiça como um serviço aos Outros, serviço que é devido a todos por igual, independentemente da sua condição. A justiça é, então, um verdadeiro ministério que tem como ponto de partida e de chegada o Outro, o cidadão concreto com as suas carências e necessidades particulares. É certo que no exercício da justiça, como em qualquer actividade humana, se pode errar. Há que reconhecer a limitação da condição humana, que não é omnisciente . Mas o erro do homem de recta intenção não é uma falta de carácter.



A sede de justiça é uma constante da história da humanidade. Sua Santidade pede aos homens de recta intenção que se esforcem pela justiça do nosso tempo. É este desafio que nos cabe assumir. Com frontalidade , determinação e abertura de espírito. Sem menosprezo pelo contributo de cada um dos homens e mulheres que servem esta causa nobre da justiça, nos tribunais, nas esquadras, nas prisões, nas universidades.

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