sábado, 20 de fevereiro de 2010



O pântano







Pinto Monteiro é um homem cada vez mais só e com cada vez menos condições para continuar no cargo




Nestes últimos tempos, temos assistido a acontecimentos extraordinários. O jornal Sol revelou um conjunto de elementos que, ao contrário do que decidiu o procurador-geral da República, deveriam ter levado a uma investigação para apurar se houve ou não prática de crime de "Atentado contra o Estado de Direito". Escutas telefónicas, sms, despachos dos magistrados e do responsável da PJ de Aveiro, onde foi iniciado o processo Face Oculta, deixaram claro que um conjunto de pessoas, algumas muito próximas do primeiro-ministro e que o invocavam nos esquemas, manobraram para alterar a titularidade da Media Capital, controlar outros órgãos de comunicação social e afastar todos os que contrariassem este plano. É verdade que estes indícios não significam, por si só, a efectiva prática daquele crime, mas isso só se pode apurar através de uma investigação. Que o PGR se negou a ordenar, sem ter dado explicações cabais - e a meu ver não as dá, nesta edição da VISÃO. Por isso, Pinto Monteiro é um homem cada vez mais só e com cada vez menos condições para continuar no cargo. Agora, até o Conselho Superior do Ministério Público, presidido pelo próprio, quer indagar se ele agiu bem. Também o presidente do Supremo, ubíquo numa destas noites televisivas, tentou livrar-se do imbróglio dos despachos malditos, repetindo que, ao contrário de Pinto Monteiro, não viu tudo o que havia para ver no processo Face Oculta. E que até podia rever a sua posição...







Esta semana assistimos, igualmente, pela primeira vez nestes 35 anos de democracia, a uma ordem judicial que pretendia impedir a publicação de matéria informativa de evidente interesse público. É um precedente gravíssimo, ainda que não consumado, que deixa muito claro como é perigoso este tempo que vivemos.







À medida que a Justiça vai caindo mais e mais no poço negro do descrédito, alguns dos seus protagonistas mais mediáticos multiplicam-se em afirmações grandiloquentes. A coisa soa algo patética e mostra não só que esta gente está completamente fora da realidade, como já não tem qualquer capacidade de autocrítica sobre a responsabilidade que lhe cabe, na situação a que o sector chegou.







Não basta proclamar que "a justiça não se faz na praça pública, faz-se nos tribunais", como se as palavras fossem uma espécie de sortilégio capaz de transformar esta justiça opaca e arrogante numa instância transparente e respeitável. No mundo real, as coisas não são assim e tornam-se mais complicadas quando os problemas atingem - como já atingiram - níveis inauditos de degradação. Se a justiça não se faz nos tribunais, a rua passa a ocupar o lugar vazio deixado por todos a quem compete exercê-la; se a percepção sobre a justiça é que ela não é cega, mas selectiva, subserviente e promíscua em relação aos poderes, sejam eles de natureza política, económica ou fáctica, levanta-se um problema de credibilidade; se os seus mais altos responsáveis agem como se não devessem explicações a ninguém, escusando-se a dar respostas claras e inequívocas acerca das suas acções e omissões, abre-se um fosso entre a sociedade e uma das suas traves-mestras. É o que está a acontecer em Portugal. E não se pode conceber situação mais pantanosa.



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