sábado, 20 de fevereiro de 2010







Crónica



Afinal, o homem é arguido e não se esperaria que metesse a cabeça na argola. Mas também não se esperava que se fizesse de super-vítima. "Sou uma espécie de pára-raios", disse, num momento confrangedor. E que tal criarmos uma nova APAV - Associação Portuguesa de Apoio a Vara?

Paulo Chitas, na Comissão de Ética da Assembleia da República

18:38 Sexta-feira, 19 de Fev de 2010



O que faz um vice-presidente do BCP-Millenium? Depois de ouvir Armando Vara, na Comissão de Ética, no âmbito das audições sobre a liberdade da comunicação social em Portugal, fica-se com a impressão que pouco faz.



Por exemplo, não decide sobre crédito concedido aos clientes, afirmou Vara, que se auto-suspendeu de funções no seguimento da constituição como arguido, no caso Face Oculta. Daí que o ex-ministro socialista, com uma fulgurante e bem paga carreira na banca, não tivesse, disse o próprio, nenhuma intervenção no corte de financiamento ao semanário Sol ou na aprovação de financiamentos a outros grupos de comunicação.



Embora detivesse o pelouro da comunicação do Banco, Vara também só assinou os cheques para as campanhas publicitárias, não interferindo na escolha dos meios que recebem os anúncios. Por isso, a sua chegada à administração não foi responsável pela subida de 1 573% da publicidade do banco no Diário de Notícias, nem pela descida de 80% no Público ou pela quebra de 68% no semanário Sol, como relembrou Pedro Duarte, deputado do PSD, evocando um estudo de uma consultora da área dos media.



E nem sabe de cor o nome do responsável pela Millenium Capital, a empresa de capital de risco do banco que detinha as acções do Sol. Além disso, como está há quatro meses afastado da administração, Vara também nada sabe acerca dos créditos recém-concedidos a outros grupos de comunicação social.



Soube-se, pelo menos, que Armando Vara sabe do que não fala. Por exemplo, nunca conversou "ao telefone com Paulo Penedos [jurista, também arguido no caso Face Oculta] sobre esta matéria [controlo de grupos de comunicação social]".



Afinal, o homem é arguido e não se esperaria que metesse a cabeça na argola. Mas também não se esperava que se fizesse de super-vítima. "Sou uma espécie de pára-raios", disse, num momento de confrangedora auto-flagelação. E que tal criarmos uma nova APAV - Associação Portuguesa de Apoio a Vara?



Racismo, currículos e "nomes vilipendiados" assombraram a audição de Felícia Cabrita. Desde o caso Casa Pia, a repórter tem conduzido algumas das mais escaldantes investigações jornalísticas nacionais. E, desde então, disse aos deputados, tem sido alvo "de um esquema sórdido" para lhe denegrir a imagem. O esquema, especificou, passa por lhe atribuírem relações "íntimas" com magistrados, o que lhe facilitaria o acesso à informação dos processos. "Já tive uma arma apontada ao peito - prefiro isso a este pântano", disse a jornalista, que imputou a um blogue entretanto desaparecido o início da campanha que a pretende atingir, usando a sua condição de mulher.



Teve coragem, Felícia, disse o que tinha a dizer, sem papas na língua. Mas tão sem travão, que a língua lhe pregou uma partida. Dirigindo-se aos deputados do PS, insinuou que era por racismo que queriam saber quem são os accionistas angolanos do semanário Sol, uma das mais repetidas perguntas, na audição de sexta-feira. Na sala produziu-se de imediato um burburinho, deputados houve que exigiram a reposição da honra perdida pelo bafejo de Felícia. O presidente da Comissão de Ética, Luís Marques Guedes, admoestou-a. Mas Felícia ainda faria das suas, quando, em resposta ao deputado Miguel Laranjeiro, do PS, o questionou sobre o seu currículo - era um remoque causado por pergunta do mesmo teor, que os socialistas lhe colocaram para fragilizarem a sua versão de que havia, nas escutas, indícios fortes de crime praticado pelo primeiro-ministro mas ignorado pelo procurador-geral da República. Foi uma sessão em cheio - mas duvido que tenha sido esclarecedora para o debate sobre a liberdade da comunicação social. Temos de esperar pelos próximos capítulos.


in http://clix.visao.pt/a-vitima-e-a-jornalista=f548705

 

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