sábado, 26 de dezembro de 2009

Porto d'Honra



Levantam-se os copos e faz-se um brinde. Com Porto.




Parece ser assim desde Lord Nelson e já assim era nos confins da Amazónia, quando o séc. XX tinha começado há pouco tempo.



O que levará um grupo de pessoas a celebrar a felicidade da Rainha do Canadá ou de Inglaterra com um copo de Porto? E, já agora, porque será que na messe dos oficiais da Academia Canadiana se brinda à rainha com Porto? E, para que as perguntas não cessem, porque se passa o Porto pela esquerda?



A história do Vinho do Porto é suficientemente antiga para que, à volta dele, se tenham criado estórias que lhe enriquecem o valor. Algumas delas sem origem bem definida, como é o caso do Porto d'Honra. A literatura sobre o Porto não é clarificadora quanto à nascença desta prática e não se encontra facilmente explicação para o facto de se querer celebrar com Porto. Manuel Pintão, hoje reformado, foi durante muitos e muitos anos a face da empresa Poças e, desde sempre, um grande entusiasta e conhecedor das histórias que envolvem aquele generoso mas ele próprio não nos conseguiu ajudar na procura das origens desta prática, apesar dos esforços de pesquisa que muito agradecemos. Ainda assim descobriu um curioso documento na Net onde se explica, com todo o pormenor, como se dever fazer o brinde com Porto na messe de oficiais canadiana. Ficamos assim a saber que, após terem sido levantadOs da mesa todos os adereços excepto o cálice para o Porto e as decorações florais ou outras que existam, o elemento mais graduado de entre os presentes deverá provar e providenciar que o decanter do Porto seja depois passado pela esquerda a fim de que todos os presentes se possam servir. Só então se levantam os copos e se faz um brinde à Rainha. Cumpre-se assim o Loyal Toast, prática ainda hoje levada a cabo, como se depreende do documento, datado de 2007.



O néctar no decanter

Já o facto de ser pela esquerda que se passa o decanter pode ter origem, segundo Álvaro van Zeller - enólogo e actualmente a trabalhar na empresa Andresen - na tradição da marinha inglesa (piratas incluídos) de sempre deixarem livre, pelo sim pelo não, a mão da espada e por isso usarem a esquerda para passar o decanter com Porto. No entanto Georges Sandeman, descendente do fundador da empresa com o mesmo nome, é um pouco mais prosaico e sustenta, no capítulo 'Escolher e Apreciar o Vinho do Porto' que vem inserido na obra "O Vinho do Porto", editada pelo Instituto do Vinho do Porto, que a passagem do decanter pela esquerda se deve ao facto da maioria das pessoas ser destra e por isso ser mais fácil receber o decanter (que não raras vezes é uma garrafa de cristal bastante pesada) com a mão direita e servir-se com ela.



É provável que não exista uma ligação directa e única entre Porto e Porto d'Honra. Os franceses falam em vin d'honeur e, dado o seu apreço pelo Vinho do Porto como aperitivo, é muito provável que o façam com Porto. Mais curioso é o documento que se refere ao pequeno clube da Amazónia, o Atlético Rio Negro Clube, cuja fundação, em 1913, foi celebrada com um Porto d'Honra em "autênticas taças francesas de cristal bacará" (sic). Até hoje esta prática mantém-se e alguns dos copos originais ainda são usados no aniversário do clube.



Ritual do Vinho do Porto

Na portuense Feitoria Inglesa, o ritual do Vinho do Porto - que envolve um brinde à Rainha inglesa e ao Presidente da República portuguesa - está envolto num certo ritual. Assim, existem duas salas contíguas separadas por uma porta que está fechada; na primeira sala é servida a refeição e após o fim desta todos os convivas se levantam e abre-se então a porta da sala do lado para onde todos se dirigem. Ali existe uma mesa do mesmo tamanho da da sala das refeições e é suposto que todos os convivas fiquem nas mesmas posições relativas (mesmo conviva à esquerda, direita e em frente). E então servido o Porto, sempre pela esquerda. E, manda a tradição que seja feito o brinde com o primeiro cálice. Só após a segunda passagem do decanter, ou seja, quando se passa ao segundo copo e o primeiro já foi apreciado sem interferências, se pode então entrar nos assuntos 'fumísticos', sendo autorizado o puro para acompanhar o Porto. Começa então o jogo do adivinhar a idade do Porto. Quanto mais difícil for, quanto mais inesperado for o ano, melhor, e mais gozo dá aos presentes. Ainda há tradições que valem a pena ser preservadas...



Não há propriamente um cerimonial associado ao serviço de um Porto de honra. Muitas vezes este Porto é servido fora da mesa, com os convidados em pé. Nesse caso deverá ser distribuído a cada convidado um copo com o vinho já servido. Não se faz um Porto d'Honra com um Porto vulgar e por isso optámos aqui por uma selecção de vinhos que, não sendo baratos, terão a dignidade requerida para um momento de celebração que se pretende único. Para cálculo do número de garrafas a usar pode considerar-se que cada garrafa poderá dar 12 copos (modelo oficial, desenhado por Siza Vieira).



Uma questão de temperatura

Muito importante é a temperatura de serviço deste Porto d'Honra. No caso de servir um vintage, deverá optar por uma temperatura perto do 17º. Tratando-se de um vinho com 20 ou mais anos é muito importante que se tenha previamente procedido à decantação do vinho. Com a idade junta-se um depósito no fundo da garrafa e, por isso, um vintage velho é sempre servido num decantador e nunca da garrafa original. Pode, após a decantação, lavar a garrafa original e voltar então a deitar-lhe o vinho dentro, no caso de não haver decantadores em quantidade suficiente para o número de convidados.



No caso de servir um tawny, a temperatura deverá ser mais baixa, perto do 12/13º. Este aspecto é muito importante e nunca deverá ser descurado uma vez que, se for servido a uma temperatura muito mais elevada do que a sugerida o Porto torna-se cansativo, quiçá enjoativo. Existe de qualquer maneira uma certa margem de manobra e, um grau acima ou abaixo não acarreta grande perda de qualidade. Estes vinhos por norma não precisam de decantação. Certifique-se de qualquer maneira que o engarrafamento foi feito em data recente (nos últimos 5 anos, digamos). O ano do engarrafamento vem indicado no rótulo ou contra-rótulo.



(Texto publicado na edição 12 Dezembro Revista Única)






João Paulo Martins (www.expresso.pt) - http://aeiou.expresso.pt/porto-dhonra=f552181

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